Castañeda: inclusão reforça democracia; em palestra no Rio, historiador mexicano fala de avanços na América Latina

RIO – Ao fazer um balanço da situação na América Latina nos últimos 25 anos, na noite de terça-feira, o economista, historiador e ex-ministro de Relações Exteriores do México, Jorge Castañeda, concluiu que o fator mais importante na região tem sido a consolidação de uma verdadeira democracia representativa, graças à inclusão social, política e econômica de pessoas que, até então, eram mantidas na marginalidade. O fenômeno mais revelador desse novo perfil latino-americano, segundo Castañeda, é o crescimento da classe média baixa na maioria dos países, em especial no Brasil e no México, a ponto de ela ter se transformado "na base e sustento social da democracia". – Essa é a grande mudança que jamais havíamos visto na América Latina. E se trata de uma mudança duradoura – disse o historiador, em palestra no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico, dentro do ciclo "Diálogos do Nosso Tempo", promovido pela Casa do Saber e Fronteiras do Pensamento, com apoio do GLOBO. Para historiador, houve uma queda da pobrezaCastañeda disse que há muito tempo não havia diferenças ideológicas e geopolíticas tão grandes – "e com tanta virulência" – como as constatadas hoje, na região. Mas esclareceu que isso se dá apenas em relação a um pequeno grupo de países (ele mencionou Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua e Argentina) "que preferiram retroceder", enquanto 70 a 80% das nações latino-americanas ("Cuba nem vale a pena mencionar") vivem "uma convergência de realidades, de políticas, de consolidação democrática, de desenvolvimento econômico e de combate à pobreza". – Trata-se de uma convergência que existe entre os países e dentro de cada um deles. Existe uma manutenção de políticas, com a sua continuidade por parte dos governos, independentemente de quem vença as eleições – disse Castañeda, destacando que, além de ter havido uma queda da pobreza nos últimos 15 anos, "começamos a ver, agora, também uma redução da desigualdade". O historiador afirmou que o clima generalizado de democracia e liberdade serve, ironicamente, para mostrar que as elites que preferiam manter a maior parte da população excluída "tinham razão, em certo sentido" em manter essa política. Pois a inclusão passou a incomodá-la, devido às reivindicações que passaram a ser feitas pela massa: – A democracia que estamos vivendo propiciou uma inclusão distinta. Ela é um produto das mobilizações sociais que, junto com a estabilidade econômica, incluiu as massas também ao sistema político e social. Depois da palestra, em conversa com O GLOBO, o historiador mexicano argumentou que a classe média baixa se tornou sustentação da democracia "não por convicção ou altruísmo, mas por conveniência muito direta do acesso ao crédito, à habitação, aos celulares, a automóveis, a férias, a televisores, refrigeradores, e de alguns à educação e à saúde privada". – Essa gente obteve grandes benefícios nos últimos 15 anos, graças à combinação de políticas públicas acertadas e a uma democracia que permite exigir essas políticas públicas acertadas. Essa gente, então, se torna numa defensora dessa democracia, porque ela lhes trouxe benefícios reais. Por isso, creio que há hoje algo que não havia antes: uma sustentação social dessa democracia em quase toda a América Latina. DaMatta: "O que mais temo é uma virada estatizante"Convidado para participar como debatedor – sob a coordenação da colunista Míriam Leitão, que também faria perguntas da plateia à dupla – o antropólogo Roberto DaMatta primeiro desculpou-se com os presentes, afirmando que nada entendia de política latinoamericana e que "a América Latina é um conceito que renego". Ele, no entanto, disse que concordava com a afirmação de Castañeda de que há uma grande convergência regional graças à estabilidade econômica. Mas acrescentou que anda preocupado com um outro aspecto. – Essa grande convergência nos dá a possibilidade de diminuir a canalhice das elites e também a estadomania, a estadolatria e a estadofilia. O que eu mais temo é uma virada estatizante, porque há muitas pessoas que acham que tudo será resolvido pelo Estado. Discutimos pouco o papel do Estado, embora sustentemos a burocracia estatal, em que os ministros brasileiros são príncipes, e todo mundo fica rico fazendo política – disse ele. Embora citasse frequentemente Brasil e México como os países que mais têm progredido, em termos de consolidação democrática, Castañeda criticou acidamente a política externa brasileira. Ele disse que o atual governo promove uma "busca de identidade brasileira no mundo", mas sem dar passos responsáveis. E acrescentou: – É esquizofrênica uma situação em que o Brasil defende ao extremo a democracia em Honduras, mas não em Cuba; além de ser conivente com a fraude eleitoral no Irã e, ao mesmo tempo, alentar a proliferação nuclear naquele país. Castañeda disse ainda que o Brasil "é incapaz de dizer claramente que as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) são uma organização terrorista e que têm apoio da Venezuela; além de não tomar uma posição clara em relação à Colômbia; e ter "uma postura muito pouco construtiva em relação a Cuba". – O Brasil está numa posição internacional muito difícil, e não há boas saídas para dar fim a isso – afirmou o historiador mexicano.

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